A História Expansionista da Rússia: Uma Jornada de Conquista e Poder
Como a geopolítica e a busca por segurança moldaram as fronteiras da maior nação do mundo
Quando falamos de expansão territorial e ambições geopolíticas, a Rússia é um caso que não tem como ser ignorado. Ao longo dos séculos, esse vasto país transformou-se de um pequeno principado à maior nação do mundo, atravessando mudanças profundas e ganhando influência no cenário global. A geopolítica sempre foi o fio condutor dessas transformações, impulsionada por líderes que não se contentavam com o que tinham, sempre de olho nas oportunidades para avançar e consolidar mais poder.
A Origem dos Russos: Da Rus de Kiev ao Surgimento da Identidade Russa
Para entender as raízes da Rússia, precisamos voltar ao século IX, quando a região que hoje conhecemos como Rússia, Ucrânia e Belarus formava a Rus de Kiev. Esse primeiro Estado eslavo-oriental foi fundado por vikings, os varegues, que se estabeleceram na região e criaram um próspero centro comercial. Kiev, localizada ao longo do rio Dnieper, tornou-se um ponto estratégico que conectava o Mar Báltico ao Mar Negro, facilitando o comércio e a troca cultural com Bizâncio e o Oriente.
Foi a partir da Rus de Kiev que surgiram as primeiras bases da cultura, da religião e da identidade russa. Em 988, o príncipe Vladimir, o Grande adotou o cristianismo ortodoxo como religião oficial, marcando o início da tradição religiosa que ainda caracteriza a Rússia. No entanto, com o tempo, a Rus de Kiev foi enfraquecendo devido a divisões internas e invasões estrangeiras, principalmente dos mongóis, que dominaram a região por cerca de 250 anos.
Após o colapso da Rus de Kiev, os principados eslavos começaram a se reestruturar, e Moscou emergiu como o novo centro de poder, consolidando-se aos poucos até tornar-se a capital do nascente Estado russo. Essa transição da Rus de Kiev para o Principado de Moscou representou o início de um movimento expansionista que definiria a história russa nos séculos seguintes.
A Expansão da Rússia: De Principado a Império
Nossa história começa com o Principado de Moscou no século XIV, que plantou as sementes do que viria a se tornar a Rússia moderna. Naquela época, Moscou era apenas um entre muitos pequenos principados eslavos, mas graças ao príncipe Ivan III, o Grande, a coisa começou a mudar. Ivan III não apenas expulsou os mongóis, que ocupavam a região por séculos, mas também expandiu o território do principado, unificando diversas regiões ao redor de Moscou. Ao fazer isso, ele estabeleceu o alicerce de um Estado centralizado, fortemente armado e focado em expansão.
Mas foi com Ivan IV, o Terrível (1533–1584), o primeiro a se autointitular "czar" (ou "césar") da Rússia, que a expansão russa realmente ganhou ritmo. Ivan IV conduziu campanhas sangrentas para conquistar as regiões do leste, expandindo o território russo em direção aos Urais e Sibéria. Imagine um líder que via a expansão territorial como uma necessidade quase espiritual! Ele acreditava que a Rússia deveria crescer e que isso era seu direito e dever. E a Sibéria, mesmo sendo uma região inóspita e gelada, foi crucial nesse processo, trazendo vastos recursos naturais sob controle russo.
Expansão Para Proteção: A Geografia e as invasões que moldaram a Política Russa
Um elemento fundamental que não pode ser ignorado na história expansionista da Rússia é sua geografia única – e perigosa. Grande parte do território russo consiste em vastas planícies sem barreiras naturais como montanhas ou grandes rios, o que torna suas fronteiras extremamente vulneráveis a invasões. Esta vulnerabilidade geográfica sempre foi um fator determinante nas decisões de expansão do país. A ideia era clara: se a Rússia conseguisse avançar suas fronteiras para controlar territórios estratégicos e formar zonas de proteção, ela poderia criar uma espécie de "almofada" entre seu coração territorial e potenciais invasores.
E essa não é uma preocupação teórica; a história russa está repleta de invasões devastadoras que demonstraram as consequências dessa vulnerabilidade. No início do século XIII, a invasão mongol liderada por Genghis Khan devastou os principados russos, deixando um legado de medo e destruição que se perpetuou por séculos. Mais tarde, em 1812, Napoleão Bonaparte e seu exército marcharam sobre a Rússia, chegando a Moscou, numa invasão que apenas reforçou a necessidade de criar defesas naturais. E, em 1941, Adolf Hitler e as tropas nazistas invadiram a União Soviética na Operação Barbarossa, alcançando rapidamente áreas internas do território soviético, apesar da resistência russa.
Essas experiências de invasão criaram uma mentalidade de segurança nacional profundamente enraizada. Para muitos líderes russos, expandir as fronteiras significava mais do que apenas conquistar territórios – era uma questão de sobrevivência. Ao estender seu domínio sobre áreas ao redor, a Rússia poderia dificultar o avanço de qualquer exército estrangeiro, criando uma linha defensiva que, em teoria, impediria que inimigos chegassem tão facilmente ao coração do país.
No fim, a geografia plana da Rússia moldou sua história expansionista e suas decisões estratégicas. Mas essa expansão para proteger suas fronteiras levanta questões importantes. Até onde esse tipo de expansão é uma medida de segurança legítima e onde ela se transforma em ameaça para a soberania de outros países? A geopolítica russa, nesse caso, é uma resposta direta à geografia, e essa relação entre território e segurança continua a moldar suas políticas até hoje.
Pedro, o Grande e o Olhar Para o Ocidente
Depois de Ivan, vieram outros czares que mantiveram a chama expansionista acesa, mas ninguém se destacou mais do que Pedro, o Grande (1682–1725). Pedro queria transformar a Rússia em uma potência moderna, seguindo o modelo europeu. Ele liderou um ambicioso processo de "ocidentalização" e estabeleceu São Petersburgo como uma nova capital à beira do Mar Báltico, abrindo o país para o comércio europeu e, mais importante, garantindo uma posição estratégica para o comércio e a defesa. Mas ele não parou por aí; Pedro também travou guerras contra a Suécia para consolidar o acesso da Rússia ao Báltico, um passo essencial para seu projeto de modernização e expansão.
E aqui cabe uma pergunta: será que essa expansão era só uma questão de poder ou havia uma vontade genuína de abrir o país para novas influências?
Catarina, a Grande e o Avanço para o Sul
Pulando para a segunda metade do século XVIII, encontramos outra figura crucial: Catarina, a Grande (1762–1796). Catarina ampliou o território russo ao sul, derrotando o Império Otomano e anexando a Crimeia pela primeira vez em 1783. Foi durante o seu reinado que a Rússia realmente começou a se projetar como um império, com uma influência tremenda na Europa Oriental. A expansão para o sul era uma jogada estratégica, porque além de garantir acesso direto ao Mar Negro, também enfraquecia a posição otomana na região. A Rússia começou a se consolidar como uma força a ser temida.
Com Catarina, percebemos como a geopolítica russa sempre teve um viés prático: não se tratava apenas de acumular território, mas de garantir acesso a pontos estratégicos. A Crimeia, por exemplo, já era vista como essencial. Seria um presságio para os acontecimentos futuros?
A Rússia e a Teoria do Heartland: O Império no Centro do Poder Global
Para entender a política expansionista da Rússia, é curioso ver como ela se relaciona com a famosa teoria geopolítica do Heartland (ou “Terra Central”), desenvolvida pelo geógrafo britânico Halford Mackinder no início do século XX (ja escrevemos sobre a teoria aqui). Mackinder propôs que o controle da região central da Eurásia – ou Heartland – seria a chave para a dominação global. Esse território, segundo ele, era praticamente inexpugnável devido à sua localização no centro do continente e à sua dificuldade de acesso marítimo, o que lhe dava uma enorme vantagem estratégica.
E onde a Rússia entra nisso? Bem, Mackinder identificava o território russo e as planícies da Eurásia como o verdadeiro “Heartland” do mundo. Segundo ele, “quem controla o Heartland, comanda a Ilha Mundial; quem comanda a Ilha Mundial, controla o mundo.” Esse conceito fascinou e influenciou líderes e pensadores políticos, consolidando a ideia de que a Rússia, com seu vasto território eurasiático, possuía o potencial geopolítico para se tornar o epicentro do poder global.
A Teoria do Heartland e a Política Externa Russa
A Rússia, ao longo dos séculos, adotou em prática uma versão da teoria do Heartland, mesmo antes de Mackinder formalizar o conceito. A expansão para o leste, sul e oeste – sempre em busca de proteger fronteiras e garantir acesso a regiões estratégicas – reflete a visão de que a ocupação do Heartland poderia garantir a segurança e até o domínio global.
Durante o período da Guerra Fria, essa tese tornou-se ainda mais visível. A União Soviética não apenas expandiu suas fronteiras de influência para o leste europeu e regiões da Ásia Central, como também procurou alianças e estados satélites para criar um anel de segurança ao redor de seu território central. A lógica era clara: proteger o Heartland significava manter o Ocidente a distância e sustentar a influência global soviética.
ARelevância do Heartland Hoje: A Rússia e a Eurásia
Hoje, a Rússia de Vladimir Putin resgata elementos dessa teoria ao buscar consolidar influência em áreas da Eurásia. A anexação da Crimeia, por exemplo, reforça o controle russo sobre o Mar Negro, um ponto crucial de acesso estratégico que conecta a Rússia a áreas do Oriente Médio e Europa. Além disso, a busca de alianças com países da Ásia Central e o fortalecimento da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) demonstram um esforço claro para proteger e consolidar sua posição no Heartland.
Será que o conceito do Heartland ainda explica parte das motivações russas para expandir e se proteger? Para muitos analistas, a resposta é sim. Ao garantir sua posição e influência no coração da Eurásia, a Rússia parece ainda seguir a lógica de que controlar o Heartland é essencial para manter sua segurança e relevância no cenário internacional.
A teoria de Mackinder pode ter mais de um século, mas a Rússia, com seu histórico expansionista, continua a explorar seu papel no Heartland, usando a geopolítica e a história para justificar sua estratégia no palco global.
A Era Soviética e a Expansão Ideológica
Avançando um pouco mais, o século XX trouxe a Revolução Russa e o nascimento da União Soviética, que levou a expansão russa para um novo patamar. Com Joseph Stalin no poder, a expansão não era apenas territorial, mas também ideológica. A influência soviética se espalhou pela Europa Oriental após a Segunda Guerra Mundial, com o estabelecimento de regimes comunistas alinhados a Moscou em países como Polônia, Hungria e Alemanha Oriental. Essa era uma nova forma de controle e expansão, que moldou as relações internacionais do período da Guerra Fria. O objetivo era claro: cercar a União Soviética com uma "cortina de ferro" de nações sob sua influência, mantendo o Ocidente a distância.
A expansão soviética não foi menos agressiva ou estratégica do que as campanhas dos czares, só que desta vez o foco era a ideologia. Será que a motivação mudou tanto? Ou só foi uma nova roupagem para a velha ambição expansionista?
A Rússia Pós-Soviética e a Anexação da Crimeia em 2014
Com o colapso da União Soviética em 1991, a Rússia perdeu grande parte de seu território e influência. As antigas repúblicas soviéticas tornaram-se independentes, e o país teve que se redefinir em um novo contexto geopolítico. Mas a nostalgia pela grandeza passada nunca desapareceu, e vemos isso refletido na política externa de Vladimir Putin, que assumiu o poder em 2000.
A anexação da Crimeia em 2014 é um exemplo marcante disso. A Rússia, sob Putin, justificou a anexação como uma forma de "proteger" a população de etnia russa na península, além de defender seus interesses estratégicos no Mar Negro. A Crimeia, com sua localização privilegiada, é vital para o acesso russo a rotas marítimas e ao Mediterrâneo. Mas o movimento gerou condenação internacional, reacendendo a discussão sobre a ambição geopolítica russa e levantando questões sobre o respeito à soberania dos países vizinhos.
E o Direito Internacional?
Do ponto de vista do direito internacional, a anexação da Crimeia é polêmica. A soberania da Ucrânia sobre a Crimeia era reconhecida pela maioria dos países e pela ONU. Ao anexar a península, a Rússia violou o princípio de integridade territorial, que é fundamental no direito internacional. Além disso, o Memorando de Budapeste, assinado em 1994, garantia a segurança territorial da Ucrânia em troca de sua renúncia ao arsenal nuclear soviético. A anexação foi considerada uma violação desses acordos, levando a sanções e isolamento diplomático.
Mas será que sanções e pressões internacionais realmente freiam a ambição geopolítica de uma potência como a Rússia? Ou será que, como no passado, essas barreiras apenas reforçam a determinação russa de garantir sua influência?
A história da Rússia é uma trajetória de expansão movida tanto por necessidades estratégicas quanto por um desejo profundo de se afirmar como uma grande potência. Desde os primeiros czares até a era moderna de Putin, a Rússia mostrou que a geopolítica é o coração de sua política externa. Seja pelo controle de rotas comerciais, proteção de fronteiras ou influência ideológica, a Rússia sempre buscou expandir seu território e seu poder.
A pergunta que fica é: até onde essa expansão é um direito legítimo de uma nação em busca de segurança e influência? E onde o direito internacional deve ser a linha que impede uma nova violação? A trajetória russa mostra que, enquanto a geopolítica for o centro das ambições nacionais, a busca por limites continuará sendo um desafio constante para a ordem global.
Leituras complementares:
A geopolítica Enquanto Instrumento de Afirmação Mundial da Rússia
A Geopolítica da Rússia: Uma análise através da Geopolítica Clássica e do Choque de Civilizações
A_Retomada_da_Geopolitica_Russa_a_Influencia_do_Eurasianismo_na_Anexacao_da_Crimeia_a_Russia
Sobre a história da política externa da Rússia: o “paradigma” de Primakov
O surgimento de uma nova capital na Rússia Moderna
RÚSSIA E ÁSIA CENTRAL: UMA ANÁLISE PELO VIÉS DA TEORIA DO HEARTLAND
Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança – Wikipédia, a enciclopédia livre
Revolução Russa de 1917 – Wikipédia, a enciclopédia livre
História da Crimeia – Wikipédia, a enciclopédia livre
Anexação da Crimeia pelo Império Russo – Wikipédia, a enciclopédia livre
Catarina II da Rússia – Wikipédia, a enciclopédia livre
Pedro I da Rússia – Wikipédia, a enciclopédia livre
Ivã IV da Rússia – Wikipédia, a enciclopédia livre
Ivã III de Moscou – Wikipédia, a enciclopédia livre
Principados russos – Wikipédia, a enciclopédia livre