A Visão Geopolítica de Alfred Thayer Mahan: O Domínio dos Mares
A tese de que o controle dos mares era o principal fator para uma nação se tornar uma potência mundial
Quando falamos sobre geopolítica e o poder das grandes nações, é difícil não pensar em Alfred Thayer Mahan, o estrategista naval que, no final do século XIX, transformou a forma como as nações enxergavam o poder no cenário global. Mahan era um almirante e historiador americano que acreditava firmemente que o domínio dos mares era a chave para o poder global. E, se pararmos para pensar, será que essa visão continua válida hoje? Como ela se aplica ao contexto geopolítico atual? Vamos explorar essa ideia e fazer uma comparação com outra teoria geopolítica famosa, a de Halford Mackinder, que já foi apresentada neste site.
A Teoria de Mahan: O Poder do Mar
Mahan, em sua obra clássica "The Influence of Sea Power upon History", publicada em 1890, apresentou a tese de que o controle dos mares era o principal fator para uma nação se tornar uma potência mundial. Para Mahan, a história mostrava que os países com frotas navais poderosas e acesso a importantes rotas marítimas tinham uma vantagem estratégica clara. Ele defendia que uma nação deveria possuir uma marinha forte, bases navais espalhadas pelo mundo e o controle de pontos estratégicos como canais e estreitos (já falamos sobre eles aqui).
A lógica de Mahan fazia muito sentido no contexto de sua época. A Grã-Bretanha, por exemplo, havia consolidado seu império graças à sua supremacia naval. Mahan argumentava que, para os Estados Unidos alcançarem uma posição de destaque no cenário internacional, eles também precisariam dominar os mares. E, de fato, essa visão influenciou profundamente a estratégia militar dos EUA no século XX, culminando na criação da maior força naval do mundo.
Para Mahan, o poder naval não se limitava à força militar. Ele enxergava a marinha como essencial também para proteger as rotas comerciais e garantir o fluxo de recursos. Afinal, as nações mais ricas e poderosas da época — como a Inglaterra — eram as que tinham uma marinha capaz de controlar vastos territórios e proteger seu comércio.
Outro ponto crucial na teoria de Mahan era a ideia de "bases avançadas", ou seja, o controle de portos estratégicos pelo mundo. Ele acreditava que essas bases eram essenciais para projetar poder, garantir a presença naval contínua e dominar regiões específicas. Essa ideia foi aplicada diretamente pelos Estados Unidos ao longo do século XX, com a criação de bases navais em locais estratégicos como Guam, Havaí e, mais tarde, no Golfo Pérsico.
Mas, será que no século XXI, essa visão de Mahan ainda faz sentido? Será que o domínio dos mares continua sendo a chave para o poder global?
O Mundo de Hoje: Mahan ainda é Relevante?
Se olharmos para o cenário geopolítico atual, a visão de Mahan ainda parece ter ressonância. Pensemos na importância das rotas marítimas para o comércio global. Cerca de 90% do comércio mundial é feito por via marítima, o que significa que o controle dos mares continua sendo vital para o poder econômico e estratégico das nações.
A China, por exemplo, parece ter aprendido bem a lição de Mahan. O projeto Belt and Road Initiative, que busca expandir a influência chinesa por meio de infraestrutura global, inclui a chamada "Rota da Seda Marítima", uma rede de portos e bases navais espalhadas pela Ásia, África e Europa. Ao garantir acesso e controle sobre essas rotas, a China está, de certa forma, aplicando os princípios de Mahan, buscando consolidar sua influência no comércio global e, por consequência, seu poder geopolítico.
Agora, pensemos nas grandes potências militares atuais. A presença naval dos EUA no Pacífico, especialmente em torno do Mar do Sul da China (temos um texto sobre isso aqui), é um lembrete constante de que o domínio marítimo ainda é um fator crucial nas disputas geopolíticas. Tanto os EUA quanto a China estão constantemente testando sua capacidade de controlar essas rotas, o que nos faz questionar: será que Mahan já antecipava essas disputas?
Se olharmos para o cenário atual, veremos que o domínio dos mares continua sendo uma prioridade para as maiores potências mundiais. Os Estados Unidos, por exemplo, possuem a maior marinha do mundo, com uma frota que inclui mais de 11 porta-aviões ativos — um número muito superior ao de qualquer outra nação. Esses porta-aviões são, na prática, fortalezas móveis, capazes de projetar poder militar em qualquer parte do globo. Isso é algo que Mahan certamente defenderia como essencial para a manutenção da hegemonia global americana.
A China, por sua vez, também está colocando a teoria de Mahan em prática. Nas últimas duas décadas, a China investiu pesadamente no desenvolvimento de sua marinha, que hoje é uma das maiores do mundo em termos de número de navios. A estratégia chinesa inclui a construção de bases navais no exterior, como a base em Djibuti, no Chifre da África, e o projeto Belt and Road Initiative, que busca controlar portos estratégicos em várias partes do mundo. A chamada "Rota da Seda Marítima" é um claro reflexo da busca de Pequim por influência nas rotas comerciais marítimas, algo que ressoa diretamente com a visão de Mahan sobre a importância dessas rotas para o poder global.
E a Rússia? Apesar de seu foco maior em poder terrestre, a Rússia tem demonstrado interesse em reforçar sua marinha, especialmente no Mediterrâneo e no Ártico. A expansão de sua frota no Mediterrâneo, com a base naval em Tartus, na Síria, é um exemplo claro de como a Rússia ainda vê o domínio marítimo como uma ferramenta geopolítica essencial para expandir sua influência no Oriente Médio.
Mahan vs. Mackinder: Terra ou Mar?
Mas aqui entra uma contraposição interessante. Enquanto Mahan via o domínio do mar como o fator principal de poder global, Halford Mackinder, outro grande estrategista geopolítico, defendia uma visão completamente diferente. Para Mackinder, o coração do poder mundial não estava nos oceanos, mas nas vastas terras da Eurásia. Sua teoria, conhecida como Heartland Theory, sugeria que quem controlasse o coração da Eurásia (a "Heartland") teria o domínio sobre o mundo (ja falamos sobre ela aqui).
Essa teoria propõe que o controle das terras e dos recursos naturais da Eurásia, especialmente as áreas centrais como a Rússia e a Ásia Central, seria a chave para o poder global. Isso contrasta com Mahan, que acreditava que o controle dos mares seria mais importante. Então, qual das duas teorias faz mais sentido no mundo de hoje?
Se voltarmos nossos olhos para o mundo de hoje, vemos que tanto Mahan quanto Mackinder podem ter razão, dependendo do ponto de vista. A teoria de Mahan parece mais evidente quando olhamos para o domínio naval dos EUA e da China e sua importância no comércio global. Mas a teoria de Mackinder também se mantém relevante quando analisamos os conflitos e disputas pelo controle da Eurásia.
Mar ou Terra? Onde Está o Poder Hoje?
Aqui, fico dividido. Por um lado, a teoria de Mahan continua relevante, principalmente quando olhamos para o domínio das rotas marítimas e o papel das marinhas poderosas no cenário internacional. O controle dos mares ainda garante uma influência enorme sobre o comércio global, e países como os EUA e a China continuam a investir pesadamente em suas forças navais.
Por outro lado, Mackinder parece ter sido igualmente visionário. As disputas pela Eurásia, tanto na época da Guerra Fria quanto nos dias atuais, mostram que o controle dessa vasta área de terra também é um fator determinante no equilíbrio de poder global. A luta por influência sobre países como Ucrânia, Cazaquistão e a região do Cáucaso reflete a relevância da "Heartland" na estratégia geopolítica moderna.
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia, as tensões no Mar do Sul da China e a crescente militarização do Ártico nos mostram que o poder no século XXI é uma combinação de ambos. O controle das rotas marítimas ainda define o comércio global, mas as disputas territoriais e a luta por recursos em regiões como a Eurásia continuam a determinar o equilíbrio de poder.
E Hoje, Qual Teoria Faz Mais Sentido?
Será que o poder ainda está nos mares, como Mahan acreditava? Ou será que a chave do controle global realmente está nas terras da Eurásia, como Mackinder defendia? Eu diria que ambos estavam certos em seus contextos históricos. Hoje, no entanto, o poder global parece ser uma mistura das duas visões. O controle dos mares continua sendo essencial, especialmente para o comércio e para a projeção de poder militar. Mas não podemos ignorar a importância geopolítica da Eurásia, que continua sendo palco de grandes disputas de poder.
O que é mais interessante é como essas duas teorias, aparentemente opostas, podem se complementar. O mundo de hoje nos mostra que tanto o controle dos mares quanto das terras estratégicas da Eurásia são fundamentais. Talvez, no século XXI, o verdadeiro poder esteja na habilidade de controlar ambos: mar e terra. E isso é algo que vale a pena refletir.
Afinal, qual será o próximo grande teatro de disputa geopolítica? Estaremos olhando para os mares ou para as terras centrais do nosso planeta? Isso é algo que a história ainda está escrevendo, e nós somos parte dessa narrativa.